MULHERBARRO

Performance apresentada na Escola Guignard em Belo Horizonte, MG. Em 23 de maio de 2023

Proponentes:
Danielle Monteiro
Marina Mascarenhas
Vânia Barbosa

Sinopse:

Uma mulher-corpo amassa o barro.

As mãos criam alternativas para responder ao Outro.

Elas estão cansadas, carregam mães, avós, mães de avós, cadáveres de infinitas mulheres em memórias não vividas.

Tudo é permanência do lado de dentro.

Do lado de fora, a mulher-corpo transforma-se em mulher barro.

O que está estampado em sua cara, você vê?

Conceito:

O tempo atravessa o corpo e marca a pele, cria linhas e rachaduras. Um corpo que envelhece, deixa de ser visto, e é esquecido nas marcas, no cabelo branco e no conhecimento acumulado. Uma ancestralidade negada na falta de conhecimento de outros corpos. E o imperativo da juventude (e da dominação) apresenta-se como caminho imposto. Submete o corpo à faca, à substância que paralisa, ao imaginário prescrito na bula do remédio. O caminho bifurca-se entre o imperativo e o apagamento. O tempo soberano, consome todos os corpos, independentemente do caminho. Não há o que fazer. Abordar o corpo marcado é o ponto central da proposta de performance que se apresenta. Buscaremos falar das marcas sobre a pele, do tempo, das invisibilidades, apagamentos e outros atravessamentos causados pelo processo de envelhecimento, em uma sociedade regida por relações sociais, econômicas e políticas perversas, determinadas pelo sistema capitalista de produção e consumo que define o que é produtividade. Dessa forma, a proposta busca suscitar reflexões diversas e abertas que vão desde um questionamento sobre o tempo, sobre as marcas na pele, sobre a invisibilidade e o apagamento e, até mesmo, do que é considerado produtividade nos dias atuais.

Para isso, tomamos como matéria o barro, que contempla características físicas que permitem uma associação simbólica com as reflexões possíveis dessa performance (o tempo, as marcas na pele, a invisibilidade e o apagamento, e o processo de produção e consumo). Além disso, a expressão popular “amassar barro” traz uma metáfora que se soma à proposta, no sentido de significar “pelejar, realizar uma tarefa cansativa e repetitiva para se obter o resultado desejado”. Nesse aspecto, podemos pensar tanto no processo de dominação dos corpos, no qual as mulheres ficam “amassando barro” para burlar o tempo (tarefa inócua), quanto na falta de sentido atribuída ao processo de envelhecimento na sociedade contemporânea. Nesse aspecto, amassa-se o barro para que? Extrapolando os objetivos definidos pela proposta, ela pode suscitar ainda uma reflexão sobre a morte, fim de todos os corpos.

Duração: 2 horas

É indescritível.

O tamanho da solidão é indescritível.

Entre mim e as pessoas que assistiam,
havia uma divisão invisível.

Elas lá e eu sozinha com o barro.

Uma cruel presença fantasmagórica

Tempo tempo tempo tempo, apenas contigo e migo…

Relato pós performance

No início da performance Mulher barro, me senti como uma lavadeira indo para as minas de água. A túnica usada nesse momento era branca, o tacho de cobre na cabeça continha argila e água; pés no chão. Andava lentamente prestando atenção nos meus passos que eram sentidos com firmeza. Estava entrando em uma arena sagrada. Eramos três: Marina, Danielle e eu, cada uma chegando de uma direção. Idades diferentes e num universo particular, ficamos frente a frente com o barro.

Comecei a amassar o “meu barro” que estava ali à espera. A textura era agradável ao tato. A cor vermelha me chamou a atenção. Rapidamente o tempo perdeu o sentido de tempo. Já estava mergulhada no trabalho. Ao amassar o barro, passei a ser barro. Posso ter sido pedra, água, ar e terra. Também posso ter sido animal, vegetal ou mineral. Posso ter sido carinhosa ou agressiva. Não sei o que fui. Não sei onde estava. Não sei quem ali estava. Me perdi no espaço e no tempo. A história não existia mais.

Lentamente meu corpo foi sendo coberto de barro pelas minhas próprias mãos e fui me transformando em outra pessoa. Numa mulher barro. Ele secava com o vento que soprava frio e ia trincando, criando linhas e rachaduras além da pele. Voltei a amassar o barro. Os sons ressoavam. Da argila saiam bolhas de ar que estouravam me lembrando o som de animais galopando. Frio, muito frio. O vento batia no corpo sem dó. Tremia, mas tinha que resistir. A luz mudou deixando o espaço alagado com tons ocre. Como numa simbiose, ficamos todos da cor do barro. É aí que eu estava. Ou não estava? Não importa. Depois de 2 horas, saímos ao som da música Tempo…tempo…tempo…

Ao terminar, me recolhi. Precisava de curtir esse momento de quase levitação. Um tempo de paz e recolhimento comigo mesma. Era um brinde preciso e merecido. No chuveiro senti a água quente lavando e aquecendo meu corpo frio; percebi a água levando o barro que por momentos era minha pele, e assim fui descamando, me libertando e voltando a ser a Vânia, que já não era mais a Vânia. Vivi uma troca de pele. Sim…. estava trocando de pele. Assim nasceu o trabalho Pele Barroca, que nos leva a uma outra reflexão ou quem sabe, à mesma reflexão.

Estava passando do Tempo ao Templo? Tudo pode ser.

As fotografias desse trabalho foram feitas por: Felipe Quadros | Gilberto Goulard | Marília Schembri | Syylvie Moyen | Valeria Amorim | Sylvia Vartuli