OS DIÁLOGOS DA BORRACHA
Era uma vez uma menina do interior de Minas. Adorava contemplar a natureza e extrair dos objetos todo o seu poder de sedução, incluindo aqueles rejeitados pelo homem, esquecidos em depósitos, jogados ao relento. Vem dessa época uma paixão absurdamente bela pela borracha, com o poder transformador desta matéria tão especial, capaz de absorver e neutralizar todos os cheiros a sua volta, tornando-se sempre o pólo central de atenção, uma espécie de ponto nevrálgico do mundo.
De repente, a borracha suga e expande as energias de seu derredor. Desse convívio simultaneamente matérico e espiritual, Vânia herda a alma da borracha, a capacidade de transparência, a elasticidade diante do todo, cosmos e caos. Desde os tempos de estudante na Escola Guignard, em Belo Horizonte, a artista sempre gostou de misturar as técnicas, apostando na comunhão de vários tipos de pigmento e papel, como em desenhos ela apostava em ranhuras e texturas, queimas e rasgos, frutos da fisicalidade do construir e destruir.
Tais desenhos, independentemente do seu volume e altura, podiam ser vislumbrados como deliciosas esfinges pictóricas, causando nos espectadores o desejo supremo do toque, do tato, de reconhecer através das mãos o que as pálpebras e pupilas apenas sugeriam. Havia sempre aquela vontade de rastrear com a palma da mão a superfície da tela.
Mesma sensação ocorre agora quando entra em cena a borracha, seja no estado bruto, deitada de bruços no chão do atelier com sua ébana viscosidade. Instigante é poder perceber como Vânia explora a natureza dialógica da borracha. Ao unir o material à palavra, cria pequenas instalações, cinematógrafo de letras, o poema do látex. Neste instante, surge a dúvida: quem se inscreve em quem? A borracha ou a letra? Na paixão do vice-versa, tanto faz. O que vale a pena é o encontro visceral entre um e outro, memória da matéria.
Alécio Cunha, 2007
Jornalista, poeta e escrito