A LAICA CIÊNCIA DA ARTE

O primeiro aspecto que chama a atenção nos trabalhos de Vânia Barbosa é o modo afirmativo como eles se colocam no espaço. A forma é nítida, as cores rebaixadas para não prejudicar a legibilidade estrutural da obra. A matéria/textura cria e enriquece a dimensão de projeto. Pode-se ver nas suas obras uma identificação entre os temas da plasticidade (o moldar ou o arrancar de uma matéria, a sua dimensão de forma) e da expressividade (a impregnação de um objeto pela subjetividade e, mesmo, por uma autoria). O ponto de partida são unidades serializadas, utilizadas para compor imagens que se dão como ritmos que, obsessivamente, retomam sempre um mesmo motivo: uma certa “melodia”, que surge de procedimentos que estão nos limites de um método, jogando com o que é igual e o que é diferente em cada unidade.

Um segundo aspecto digno de nota é o modo como estas obras acordam a noção de forma, no sentido literal deste termo, isto é, volume perfeitamente delimitado e construído. Assim, vale registrar, que o movimento de observação das obras, solicita não um adentramento em nós mesmos. Pelo contrário, cobra uma extroversão em direção ao objeto apresentado. Há um “silêncio”, espesso, material, concreto, que tem uma gravidade, que é preciso respeitar. São peças que mobilizam uma atenção interessada mais pelo fato delas existirem como tais, do que elas “representam”. E, importante, não deixa de ser surpreendente como a autora registra o embate com a materialidade sem que isso signifique reduzir as coisas e as coisas da arte a uma existência unidimensional.

Uma terceira surpresa vem, exatamente, desta situação meio desconcertante que o embate direto com as peças cria. De um lado existe a sedução pela melodia, algo difuso que elas criam na nossa memória, convite mesmo a fruição de sua existência. Acrescente-se o andamento fluente, o dado sensual das matérias, as formas mínimas, que chamam irresistivelmente ao tato. Por outro lado, existe os silêncios deste corpo estranho, ensimesmados, decididos a obstruir com sua opacidade o nosso desejo de transparência que, tantas vezes, povoamos ou procuramos na laica ciência da arte. Aqui, a aparente unidade dissolve-se, os cortes bruscos interrompem a leitura, a irregularidade e as arestas irrompem trazendo consigo o caos não pressentido. E – apavorante esfinge – cá estamos nós diante do enigma que somos, de pé ou deitados.

Penso, às vezes, que o motor das obras de Vânia está na sua capacidade de se constituir como alguma coisa que sendo tensão é também incitamento ao diálogo. Se cumpre aquela de restituir uma dimensão de forma (que seja criação ou mesmo conceito), este deve nutrir-se de uma ambição de poesia que toque fisicamente no espírito humano. Há na obra ora apresentada outros temas em jogo; a relação humano/natureza/tecnologia; a dramaticidade da história e seus ritos; este corpo pensante, a sonhadora matéria, entrevista pelo poeta Francis Ponge, que relutamos tanto aceitar. Um aspecto, entretanto, se sobrepõe (e induz, mesmo, o caminho meditativo que a obra de Vânia Barbosa propõe: um estar aqui no mundo, exposto ao tempo, ao espaço, as coisas.

Walter Sebastião (jornalista) | Belo Horizonte, julho de 1997